O começo do vício
Pesquisa realizada pela UnB com estudantes das redes pública e particular do DF conclui que cerca de 90% dos jovens que fumam diariamente também consomem bebida alcoólica. E metade ingere drogas ilícitas
Componentes que prejudicam a saúde
Alcatrão - Composto com 40 substâncias cancerígenas
Monóxido de carbono - Dificulta a oxigenação do sangue
Nicotina - Droga psicoativa que causa dependência, chega em 9 segundos ao cérebro, acelera a freqüência cardíaca, causa úlcera gástrica e destrói o pulmão
* Combinadas, essas substâncias podem levar ao envelhecimento precoce e à infertilidade
Ao lado de parentes e amigos, eles aprendem que soltar fumaça pela boca é sinal de independência e auto-estima em dia. Tossem na primeira tragada, mas logo adotam a nicotina como companheira inseparável em bares, festas e madrugadas de estudo. Dispostos a sentir novas sensações, em pouco tempo os jovens resolvem ir além. Cerveja, maconha, cocaína. Drogas muito próximas de 30 mil estudantes do Distrito Federal com idades entre 9 e 21 anos. Todos fumantes.
Pesquisa da Universidade de Brasília (UnB) mostra que esse grupo está mais vulnerável ao álcool e às drogas ilícitas. Cerca de 90% dos jovens que fumam diariamente também consomem bebidas alcoólicas. As drogas proibidas - em especial a maconha - são usadas por metade dos adolescentes viciados em nicotina. Entre os não-fumantes, só 2,2% envolvem-se com substância proibida.
Para realizar o estudo, foram aplicados 2,6 mil questionários em alunos da rede pública e particular em 2002. A pesquisa foi orientada pelo pneumologista José Carlos Viegas, professor da UnB e médico do Hospital Universitário. No ano passado, ele coordenou um outro estudo em que detectou a média de idade dos estudantes que experimentam cigarro: 12 anos. Viegas considera as estatísticas do novo trabalho ainda mais gritantes. ''A nicotina é uma droga que dá prazer. Quando adolescentes com problemas psicológicos e sociais se acostumam a ela, acabam partindo para outros vícios.''
Entre os avessos ao tabaco, a droga predileta é o lança-perfume, que deprime o sistema nervoso central e traz perigo para coração e pulmões. ''Dificilmente, um jovem não-fumante usa lança-perfume todos os dias ou se vicia. O consumo é preocupante, mas restrito a algumas ocasiões'', explica Juliano Zakir, estudante do 10º semestre de Medicina e um dos responsáveis pelo estudo, apresentado na semana passada no 9º Congresso de Iniciação Científica da UnB.
Especialista no tratamento de dependência química, a psicóloga Maria de Fátima Sudbrack acha que é preciso avaliar o porquê de jovens procurarem substâncias psicotrópicas. ''O cigarro é só o início. Apesar de não ter efeito alucinógeno, acalma e até motiva os adolescentes'', explica Sudbrack, pesquisadora na área de Psicologia Clínica da UnB.
Tratamento
O Ministério da Saúde trabalha com um número alto de jovens viciados em cigarro no país: 3 milhões. No mundo, 100 mil adolescentes começam a fumar diariamente. Cerca de 90% deles se viciam antes de completar 19 anos. Os cálculos são da Organização Mundial de Saúde (OMS), que este ano reuniu 191 países, inclusive o Brasil, para assinar uma carta de compromisso com medidas contra o comércio do tabaco. A principal delas: restringir a venda do produto a locais onde, teoricamente, menores de 18 anos não têm acesso, como boates e bares.
Coordenador do Programa de Controle do Tabagismo no DF, Celso Rodrigues atende, nos postos e hospitais onde trabalha, pacientes que fumam 30 cigarros durante o dia e, à noite, sentem vontade de uma droga mais forte, como a maconha. Combinar álcool com cigarro também é comum. ''O álcool causa uma queda abrupta nos níveis de nicotina no sangue. Enquanto as pessoas bebem, tendem a sentir necessidade de fumar ainda mais.''
O médico é responsável pelo programa de prevenção ao uso de cigarro nas escolas da cidade. A principal preocupação de Rodrigues é com os jovens que se viciam em cigarro cedo. A pesquisa constatou que a maioria começa a fumar diariamente aos 13 anos.
Estudante do 1º ano do ensino médio em uma escola pública da Asa Sul, Manuela (nome fictício), 15, se viciou em nicotina com apenas 9 anos. Conheceu o tabaco na companhia dos amigos de escola, em uma época de problemas em casa - separação dos pais - e nos estudos. Quando foi morar com o pai, aumentou o consumo. Só foi descoberta um ano depois. O cheiro forte de cigarro no cabelo era indisfarçável.
''Até prometi largar, mas não consegui manter minha palavra por muito tempo.'' Para esconder o vício, Manuela nunca fuma perto de casa, nem anda com cartelas. Nos fins de semana, reserva parte do dinheiro liberado pela família para festas de música eletrônica. Compra cigarro e algo mais ''pesado'' para usar nas raves.
O pré-vestibulando Vinícius Souza, 18, é fumante desde os 14. Nãousa outras drogas, mas também encontra dificuldade para largar o tabaco. Na 8ªsérie, parou por 12 meses. Hoje, tenta reduzir o consumo dividindo a cartela com amigos. ''Jamais conversei com os meus pais sobre isso. Mas tenho vontade de um dia fumar só de vez em quando'', conta o jovem morador da Asa Norte.
O consumo de drogas, como maconha, nunca atraiu Vinícius. Com a cerveja é diferente. Quando descobriu a bebida, teve dificuldades em se controlar. Até que uma das noitadas resultou em uma boa conversa com o pai. ''Toquei o interfone com aquela voz e ele sacou tudo. No outro dia, bem calmo, me pediu pra moderar. É o que tenho feito.''
Ajuda
Centro de Referência, Pesquisa, Capacitação e Atenção Integral à Adolescência (Adolescentro)
Endereço: SGAS 605, lotes 33/34, Centro de Saúde nº 6
Telefone: 242-1447
Hospital Universitário (HUB)
Endereço: 607 norte
Telefone: 448-5280
Diretoria de Saúde do Trabalhador (Dsat)
Endereço: 912/712 Sul
Telefone: 346-6257
Para saber o endereço e telefone do centro de saúde ou Igreja que oferece tratamento perto da sua casa, ligue no Dsat.
Para ter mais informações sobre o programa de tabagismo do Ministério da Saúde, acesse a página www.inca.gov.br ou ligue para 0800-7037033.
Como os jovens podem parar de fumar
Faça uma reflexão e tente descobrir por que você fuma. O tratamento dependerá disso
Fortaleça sua auto-estima. Depressão e problemas psicológicos aumentam a vulnerabilidade ao fumo
Faça atividades físicas e intelectuais prazerosas
Tome muito líquido
Cuide do corpo e do visual. É preciso sentir-se bonito e charmoso sem a companhia do cigarro
Mastigue frutas ou verduras na hora em que a vontade de fumar bater
Diminua gradativamente a quantidade de cigarros fumados por dia
Procure ajuda médica, caso não consiga largar o vício sozinho
Como os pais podem ajudar os filhos a parar de fumar
Converse sempre. O diálogo é essencial na prevenção e o primeiro passo para largar o vício
Evite fumar em família. Além de estimular o jovem, você faz dele um fumante passivo, com grandes chances de desenvolver um problema respiratório (alergia, bronquite, asma, rinite)
Informe o seu filho sobre os males do cigarro. Deixe bem claro que fumar causa dependência