Jornal:Folha de São Paulo
Símbolo de ação antifumo perde na Justiça
José Carlos Carneiro, que amputou as pernas e teve a imagem exposta em maços de cigarros, pedia R$ 5 mi da Souza Cruz
Justiça considerou que o aposentado não provou que a causa da doença foi o tabaco, nem que consumia o produto da empresa
ITALO NOGUEIRA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DO RIO
O aposentado José Carlos Marques Carneiro, 60, perdeu mais uma fase da batalha judicial que trava contra a empresa fabricante de cigarros Souza Cruz. A 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio negou recurso em que ele pedia R$ 5 milhões de indenização por ter amputado as duas pernas, supostamente devido ao consumo de cigarro.
Carneiro é um dos principais símbolos da luta anti-tabagismo, tendo sua imagem exposta em maços de cigarros por todo o país. Ele amputou as duas pernas em decorrência de uma doença vascular. Os médicos do aposentado atribuem a doença ao cigarro, que consumiu por 19 anos, desde os 15 anos.
Ele conta que perdeu a perna direita em 1981 e, dois anos depois, teve de amputar a outra. O próximo passo foi deixar o vício: "Depois tive que parar, senão morria. Chegava a dormir cheirando o cigarro, mas não podia fumar".
Outros fatores
O advogado da Souza Cruz, Paulo Rogério Couto, argumentou que Carneiro não provou que fumou cigarros da Souza Cruz. "Hoje existem mais de 18 empresas fabricantes de cigarros. Quando ele começou a fumar, eram cerca de 30", justificou. Além disso, ele afirmou que a doença pode ser causada por outros fatores, além do uso contínuo do cigarro.
O relator do caso, o desembargador Jair Pontes de Oliveira, afirmou que o "pleito é inatingível", pois Carneiro estaria transferindo a responsabilidade do consumo de cigarro para a empresa. Além disso, aceitou o argumento de que não ficou comprovado o nexo entre o cigarro e a doença.
O ex-fumante já havia perdido na primeira instância, em novembro do ano passado, em decisão do juiz Leandro Ribeiro da Silva, da 41ª Vara Cível. Na época, a decisão foi criticada pelo Ministério da Saúde. "A situação me causa espanto", disse a chefe da área de tabagismo do Instituto Nacional de Câncer, Tânia Cavalcante.
O advogado de Carneiro, Tenilson Nogueira da Silva, lamentou a derrota de ontem. "A decisão manteve o mesmo erro [da 1ª instância]." Ele disse que vai recorrer da decisão.
O advogado que representa a empresa Souza Cruz no caso de Carneiro afirma que há, ainda, cerca de 400 casos como esse. "Das 18 Câmaras Cíveis do Rio, 12 já deram ganham de causa às empresas de cigarro", afirmou o advogado.
Sem dilema
Ex-fumante, Couto não se sente em nenhum dilema ético ao defender empresas. Admite, assim como as empresas, que o cigarro pode causar doenças, mas se apóia no que chamou de "associação estatística". "Várias doenças estão associadas aos cigarros. Mas são doenças multi-fatoriais, que também podem ser causadas por outros fatores. [Os fumantes] Fumam porque querem. É um produto lícito". Ele completa: "Eu defendo porque acredito efetivamente nisso".
Frases
Ao amputar a perna, a sala de cirurgia ficou com cheiro de nicotina, porque era só o que tinha nas veias.
JOSÉ CARLOS MARQUES CARNEIRO
ex-fumante que afirma ter perdido as pernas em decorrência do vício
Hoje existem mais de 18 fabricantes de cigarros. Quando ele começou a fumar, eram cerca de 30
PAULO ROGÉRIO COUTO
advogado da Souza Cruz [As pessoas] Fumam porque querem. É um produto lícito
"Tive que parar, senão morria", diz ex-fumante
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DO RIO
José Carlos Marques Carneiro, 60, começou a fumar aos 15 anos, escondido dos pais. Perdeu a perna direita em 1981 e a esquerda dois anos depois. Ele renovou o contrato com o Ministério da Saúde e continuará aparecendo nos maços. (IN)
FOLHA - Por que demorou 15 anos para acionar a Justiça?
JOÃO CARLOS MARQUES CARNEIRO - Procurei a Souza Cruz. Enviei quatro cartas para resolver sem ir à Justiça.
FOLHA - Como o sr. começou a fumar?
CARNEIRO - Tinha 15 anos e ainda estava no colégio. Começou como uma brincadeira de amigos. Fumava Continental, e sem filtro. Depois de seis meses, estava viciado.
FOLHA - Quanto por dia?
CARNEIRO - Até 1981, um maço. Depois, três carteiras. Fiquei muito debilitado. Era dependente químico. Ao amputar a perna, a sala de cirurgia ficou com cheiro de nicotina, porque era só o que tinha nas veias. Depois tive que parar, senão morria.